Nunca antes neste país um produto cultural foi objeto de cerco tão covarde como Tropa de Elite, o filme do diretor José Padilha. Os donos dos morros dos cadernos de cultura dos jornais, investidos do papel de aiatolás das utopias permitidas, resolveram incinerá-lo antes que fosse lançado e emitiram a sua fatwa, a sua sentença: “Ele é reacionário e precisa ser destruído.” Num programa de TV, um careca, com barba e óculos inteligentes, índices que denunciam um “intelequitual”, sotaque inequívoco de amigo do povo, advertia: “A mensagem é perigosa.” Outro, olhar esgazeado, sintaxe trêmula, sonhava: a solução é “descriminar as drogas”. E houve quem não resistisse, cravando a palavra mágica: “É de direita”. Nem chegaram a dizer se o filme – que é entretenimento, não tratado de sociologia – é bom ou não.
Sequestrado pelo Bonde do Foucault (já explico o que é isso), Padilha foi libertado pelo povo. A pirataria transformou seu filme fenômeno. A esquerda intelectual, organiza em bando para assaltar a reputação alheia (como de hábito), já não podia fazer mais nada. Pouco importava o que dissesse ou escrevesse, o filme era um sucesso. Derrotada, restou-lhe arrancar, como veremos, do indivíduo Padilha o que o cineasta Padilha não confessou. Por que tanta fúria? A resposta é simples: Tropa de Elite comete a ousadia de propor um dilema moral e de oferecer uma resposta. Em tempos de triunfo do analfabetismo também moral, é uma ofensa grave.
Qual dilema? Não há como ressuscitar o filósofo Immanuel Kant (1724-1804), mas podemos consultar a sua obra e então indagar ao consumidor de droga: “Você só pratica ações que possam ser generalizadas?” Ou por outra: “Se todos, na sociedade, seguirem o seu exemplo, o Brasil será um bom lugar para viver?” O que o pensamento politicamente correto não suporta no Capitão Nascimento, o anti-heroi com muito caráter, não é sua truculência, mas a sua clareza; não é o seu defeito, mas a sua qualidade. Ele não padece de psicose dialética, uma brotoeja teórica que nasce na esquerda e que faz o bem brotar do mal, e o mal, do bem. Nascimento cultua é um bom paradoxo. Segue a máxima de Lúcio Flávio, um marginal lendário no Brasil, de tempos quase românticos, “Bandido é bandido, polícia é polícia.”.
A cena do filme já é famosa: numa incursão à favela, o Bope mata um traficante. No grupo de marginais, há um “estudante”. Aos safanões, Nascimento lhe pergunta, depois de enfiar a sua cara no abdômen estuporado do cadáver: “Quem matou esse cara?” Com medo, o rapaz engrola uns “não sei, não sei”. Alguns tapas na cara depois, acaba respondendo: “Foram vocês.” E ouve do capitão a resposta que mais irritou o Bonde do Foucault: “Não! Foi você, seu maconheiro.” Nascimento, quem diria? É um pouco discípulo de Kant. Um pouco desastrado, mas é. A narrativa é sempre pontuada por sua voz em off. Num dado momento, ele faz uma indagação: “Quantas crianças nós vamos perder para o tráfico para que playboy possa enrolar o seu baseado?”
O Bope que aparece no filme de Padilha é incorruptível, mas violento. O principal parceiro de Nascimento chega a desistir de uma ação porque não quer compactuar com seus métodos, que, fica claro, são ilegais. Trata-se de uma mentira torpe a acusação de que o filme faz apologia a tortura. Ocorre que o ódio que a patrulha ideológica passou a devotar à obra não deriva daí. Isso é pretexto. O que os “playboys” do relativismo rejeitam é a evolução da responsabilidade dos consumidores de droga na tragédia social brasileira. Nascimento invadiu a praia do Posto 9, em Ipanema.


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